sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Eronia


“É uma droga” – foi o que respondeu a criança de nove anos de idade ao primo que perguntara qual o significado de “ironia”. Essa com certeza fora a melhor da noite. Bem, a melhor do ano, até então.

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No meio da madrugada de quinta-feira, durante a guerra entre a vontade de dormir e a ausência de sono, assistia a um documentário sobre o efeito da heroína sobre um músico que admirava, até que o celular tocou o tema da fase “Las Vegas” do jogo Top Gear. “Puta burrice tremenda colocar esse toque para mensagens”, pensou.

“Rock épico dos maluco num lugar de playsson nessa sexta. Bora?”

Só respondeu a mensagem quando já estava a caminho do local da festa: “Nóis”.

O amigo que enviara o convite ligou revoltado para o sofredor de insônia no momento em que recebeu a resposta demorada.

- Véi, tu ta de sacanagem. Por que só confirmou agora? Logo agora que já tinha aceitado meu fado de passar a noite assistindo pornografia vietnamita! – esbravejou ao telefone o amigo pouco sociável.

- Mano, para de show. Você mora a menos de 15 minutos da parada. Daqui de onde eu tô, ainda falta uma hora e uns quebrado pra chegar nessa merda. – Sem comentários para o palavreado de dois jovens que há pouquíssimos anos atrás se masturbavam assistindo ao programa “Sabadaço com Gilberto Barros”.

Uma hora e 28 minutos depois, os jovens ingeriam o primeiro gole de bebida alcoólica.

A percepção do, já semi-bêbado, rapaz que se encontrava a dezenas de milhas de sua casa foi sofrendo alterações consideráveis ao longo das garrafas long-neck de cerveja associadas às doses de tequila.

“Engraçado mesmo é pensar que essa merda é feita duma planta que parece babosa! Agave! Isso lá é nome de planta? Esses mexicanos são todos malucos mesmo, só pode. Irado mesmo seria se a tequila fosse bem vermelha. De um vermelho vibrante. Aí, tomaríamos red shots, sacou?”. Seu amigo olhou para ele com uma cara engraçada que o falastrão logo conectou ao significado “sorria e acene”, isto é, seu interlocutor não entendera nada do que havia dito.

Não entender o que o especialista em tequila dizia era quase tão previsível quanto saber que aquela noite ia ter um final inusitado; óbvio, falava engrolado e com tal velocidade que as palavras saíam de sua boca com velocidade muito superior ao bater das asas de um beija-flor.

Enfim a “fase Don Juan” chegava. Aos poucos os dois aventureiros se sentiam cada vez mais atraentes até notarem que uma das garotas mais belas da festa – do universo, como pensavam – estava olhando para os dois.

Chegamos num momento em que precisamos de nomes para os personagens, mas como não garanto que essa história seja fictícia, preservarei os nomes pelos quais minha mente resolveu chamá-los. Sendo assim, chamaremos o fã de músicos ex-usuários de heroína de Juanito e seu amigo apreciador de pornografia oriental de Donizete. Quanto à gostosa, bem, chamaremos de gostosa, mesmo.

Com um andar um tanto quanto trôpego, Juanito vai ao encontro da gostosa, impulsionado - literalmente – por Donizete.

- Oi. – Disse o pedaço de mau caminho, péssima expressão, dicção e gesticulação, Juanito.

- Olá – Respondeu a gostosa.

Duas horas depois os inseparáveis amigos se encontram dançando no salão. Juanito se apóia no chão com o braço direito, enquanto rebola e faz movimentos de vai-e-vem com o braço esquerdo. Donizete rebola por cima de Juanito com expressões de prazer e o cabelo desgrenhado.

Quem olhava jurava que os dois tinham experiência no ramo da pederastia, mas não podia ter certeza. Até que Juanito se levanta, sobe numa mesa e grita – mais alto que o funk: “Atenção para um pronunciamento oficial do secretário de estado, Donizete”.

Donizete desatou a rir, enquanto substituía seu amigo no palanque improvisado e berrou:

“Senhoras e senhores, em verdade, eu, secretário estadual de pederastia e assuntos homoeróticos, vos digo: ninguém é de ninguém!”.

No outro dia, os dois acordaram no campus da universidade onde estudavam que ficava a menos de 10 minutos da boate onde se divertiram.

Donizete: “Cara, lembro de porra nenhuma de ontem. Só uns flashes”.

Juanito: “Mermão, só sei que meu salário todo foi pro saco”.

Um minuto constrangedor de silêncio enquanto os dois refletiam em suas respectivas condições existenciais se passou, até que:

Donizete: “Véééééei, e aquela gostosa que tu trocou idéia ontem?”.

Juanito: “Ah, nem peguei”.

Donizete: “Jura? Depois de 15 minutos, se não pegou, não pega mais! Tu tem que ser mais rápido, cara”.

Juanito: “Véi, você sabe que sou um cara proustiano.As pessoas têm a chance de se tornarem mais interessantes quando você não avança trop vite”.

- Quê?

Fim.

Um comentário:

  1. Juanito e Donizete são inseparáveis! Deveriam pensar mais sobre os assuntos pederásticos.

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