quinta-feira, 19 de maio de 2016

Fim

Todos os dias aquele sentimento indesejado me encontrava; aproximava-se, envolvia meu já abatido corpo, por trás, perfurava meu peito, dilacerava minha razão e me deixava a sofrer. Minhas noites eram cópias mal feitas umas das outras. Minha cabeça enuviava, meu peito afundava numa enchente de perguntas que geravam um lamaçal de quase arrependimentos. Relatar os fatos foi o que me restou, tentando extirpar de mim tais experiências dolorosas. Antes, antes de expor o que me afligia, a sensação era de que um dia explodiria por aí.


O laborioso ato de escrever sobre tais angústias teve início após um encontro virtual lamentavelmente ocorrido naquela quinta-feira. Um dia que, mesmo antes, somente oferecia inusitadas frustrações. Não vamos focar nos pormenores, não vale a pena. (Algo vale?) Ou você prefere saber dos ínfimos detalhes? Não, prossigamos.


Era uma estranha quinta-feira onde a vida parecia zombar, de novo, de minhas escolhas. Interessantemente, meu espírito não se abatia tanto com tamanhas frustrações. Naquele dia
ríamos, eu e um amigo, dessa tal de vida e tudo pelo que passamos durante nossa jornada.
Andávamos questionando nossa sanidade e, por mais que isso soe um tanto neurótico, brincávamos com a ideia de que o mundo inteiro havia enlouquecido e éramos os únicos que
aparentemente haviam notado. Aliás, era justamente este o motivo que nos levava a duvidar -
razoavelmente - da nossa capacidade de discernir o real do irreal. Concluímos que relacionamentos fraternais são uma dádiva nesse mundo esquisito em que vivemos.


Eis que ao verificar outra aba do navegador de internet que utilizava para me comunicar, tenho uma estranha sensação, um choque súbito. Lá estava. A me olhar. E era incrível. Seus olhos eram exatamente os mesmos. Seu rosto mudara pouco. Seu cabelo brilhava. Mas, e sinceramente nunca havia visto algo assim até então, era outra pessoa.


A genética pode desafiar a probabilidade quando há tantos humanos vagando por aí.


Meu algoz estava ali. Me encarava com olhar penetrante. Nunca havia visto aquela pessoa, porém, ela era uma cópia fiel da outra designada para pôr fim ao meu lento caminhar. Até agora não sei explicar de onde veio tamanha iluminação, mas eu havia então decifrado o intricado código do fim da minha própria vida. A partir daquele momento não haveria pedido, oração, súplica que me salvasse do fado. Minha vida estava conectada à vida de alguém.


Transtornado, pensei contactar o dono do desconhecido rosto da imagem. Sem dúvida haveria alguma conexão entre ele e o meu executor. Contudo passaram-se dolorosos dias e ainda não reuni coragem o suficiente para enviar minha desesperada mensagem.


Bem, hoje estou aqui, completamente desperto próximo do alvorecer de um novo dia. Não sei a quem recorrer. Não sei se é possível que eu esteja realmente certo sobre tal premonição. Todos os dias abro o arquivo com a foto daquele rosto desconhecido que, porém, me parece assustadoramente familiar e ao mesmo tempo macabro. Sinto sono. Sinto uma aproximação.