segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Sobre a Igreja Católica ou o Petróleo. Ou os dois. Ou nenhum



Você está de pé.
Você está de pé e com muita fome.
O fim da linha está logo à sua frente - de forma literal, digo.
Bem em cima da última estação de trem da linha Vitória/Minas um arco-íris começa a se formar.
Você está ouvindo Marilyn Manson. Não é a trilha perfeita para observar um arco-íris.
Você vira pouco mais de 90º para a direita e nota uma densa nuvem de fumaça negra. Ou o Vaticano resolveu escolher o novo papa perto do Terminal de Jardim América - e não chegaram a conclusão alguma - ou há algum derivado do petróleo pegando fogo. Ou os dois. Ou nenhum. Mas agora a música "Disposable Teens" se encaixa melhor no contexto.

"And I'm black rainbow
and I'm an ape of god".

Você sobe no ônibus e depois de um tempo olha para a janela. Tanto a fumaça quanto o arco-íris estão em seu campo de visão. Aquilo te interessa.
Você para pra refletir num possível significado daquela imagem e olha para um ponto qualquer sem prestar atenção ao que sua retina capta. Decide olhar de novo para a fumaça e o arco-íris e vê um avião passar entre os dois. Muito interessante.
O ônibus faz uma curva e o arco-íris sobrepõe a fumaça. Tá cada vez melhor.
O ônibus curva novamente e ambos saem do seu campo de vista. Ahhh.
A viagem prossegue e, cerca de 10 minutos depois, o arco-íris entra novamente no seu campo de visão. A fumaça não. Dessa vez o arco-íris é duplo.
"Can't Stop" começa a tocar e, agora sim, sua contemplação do arco-íris lhe traz energias revigorantes.

"Go write your message on the pavement
Burnin' so bright I wonder what the wave meant".


Você chegou em casa, e ainda está com fome.
"Cacildis, como eu gosto de ver um arco-íris"!

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Por que eu defendo a monarquia?


Antes de iniciar a leitura deste texto altamente revolucionário, faça um teste de QI, pois só os inteligentes vão enxergar as verdades descritas logo abaixo. Se seu teste acusou um mínimo de 125 pontos, prossiga na leitura. Se não, você vai pensar que o rei está nu.

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Em todo país que possui uma monarquia existe uma família real. Ora, não preciso de mais argumentos. Se somente uma família é real, as outras simplesmente não existem. Dessa forma, por que gastar fosfato pensando em políticas públicas e et cetera com o irreal?

Imagine só. Nada de políticas assistencialistas, nada de igualdade econômica, empregos, nada de esgoto tratado!

Porém, se minha premissa estiver errada, e os irreais, paradoxalmente, existirem — o que inclui as suas fezes , não há escapatória e da mesma forma me alegro:

Ou as injustiças acabam, pois só existirá uma família de verdade. Ou, sem esgoto, a merda vai voltar a fazer parte da rotina das cidades, e os ventos vão trabalhar para que o seu cheiro seja inalado por todos os narizes que, gostando ou não, serão obrigados a sentir sua presença.

Aí sim, amigos, as pessoas entenderiam qual é, de fato, o significado de “Viva La Merda!”

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Eronia


“É uma droga” – foi o que respondeu a criança de nove anos de idade ao primo que perguntara qual o significado de “ironia”. Essa com certeza fora a melhor da noite. Bem, a melhor do ano, até então.

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No meio da madrugada de quinta-feira, durante a guerra entre a vontade de dormir e a ausência de sono, assistia a um documentário sobre o efeito da heroína sobre um músico que admirava, até que o celular tocou o tema da fase “Las Vegas” do jogo Top Gear. “Puta burrice tremenda colocar esse toque para mensagens”, pensou.

“Rock épico dos maluco num lugar de playsson nessa sexta. Bora?”

Só respondeu a mensagem quando já estava a caminho do local da festa: “Nóis”.

O amigo que enviara o convite ligou revoltado para o sofredor de insônia no momento em que recebeu a resposta demorada.

- Véi, tu ta de sacanagem. Por que só confirmou agora? Logo agora que já tinha aceitado meu fado de passar a noite assistindo pornografia vietnamita! – esbravejou ao telefone o amigo pouco sociável.

- Mano, para de show. Você mora a menos de 15 minutos da parada. Daqui de onde eu tô, ainda falta uma hora e uns quebrado pra chegar nessa merda. – Sem comentários para o palavreado de dois jovens que há pouquíssimos anos atrás se masturbavam assistindo ao programa “Sabadaço com Gilberto Barros”.

Uma hora e 28 minutos depois, os jovens ingeriam o primeiro gole de bebida alcoólica.

A percepção do, já semi-bêbado, rapaz que se encontrava a dezenas de milhas de sua casa foi sofrendo alterações consideráveis ao longo das garrafas long-neck de cerveja associadas às doses de tequila.

“Engraçado mesmo é pensar que essa merda é feita duma planta que parece babosa! Agave! Isso lá é nome de planta? Esses mexicanos são todos malucos mesmo, só pode. Irado mesmo seria se a tequila fosse bem vermelha. De um vermelho vibrante. Aí, tomaríamos red shots, sacou?”. Seu amigo olhou para ele com uma cara engraçada que o falastrão logo conectou ao significado “sorria e acene”, isto é, seu interlocutor não entendera nada do que havia dito.

Não entender o que o especialista em tequila dizia era quase tão previsível quanto saber que aquela noite ia ter um final inusitado; óbvio, falava engrolado e com tal velocidade que as palavras saíam de sua boca com velocidade muito superior ao bater das asas de um beija-flor.

Enfim a “fase Don Juan” chegava. Aos poucos os dois aventureiros se sentiam cada vez mais atraentes até notarem que uma das garotas mais belas da festa – do universo, como pensavam – estava olhando para os dois.

Chegamos num momento em que precisamos de nomes para os personagens, mas como não garanto que essa história seja fictícia, preservarei os nomes pelos quais minha mente resolveu chamá-los. Sendo assim, chamaremos o fã de músicos ex-usuários de heroína de Juanito e seu amigo apreciador de pornografia oriental de Donizete. Quanto à gostosa, bem, chamaremos de gostosa, mesmo.

Com um andar um tanto quanto trôpego, Juanito vai ao encontro da gostosa, impulsionado - literalmente – por Donizete.

- Oi. – Disse o pedaço de mau caminho, péssima expressão, dicção e gesticulação, Juanito.

- Olá – Respondeu a gostosa.

Duas horas depois os inseparáveis amigos se encontram dançando no salão. Juanito se apóia no chão com o braço direito, enquanto rebola e faz movimentos de vai-e-vem com o braço esquerdo. Donizete rebola por cima de Juanito com expressões de prazer e o cabelo desgrenhado.

Quem olhava jurava que os dois tinham experiência no ramo da pederastia, mas não podia ter certeza. Até que Juanito se levanta, sobe numa mesa e grita – mais alto que o funk: “Atenção para um pronunciamento oficial do secretário de estado, Donizete”.

Donizete desatou a rir, enquanto substituía seu amigo no palanque improvisado e berrou:

“Senhoras e senhores, em verdade, eu, secretário estadual de pederastia e assuntos homoeróticos, vos digo: ninguém é de ninguém!”.

No outro dia, os dois acordaram no campus da universidade onde estudavam que ficava a menos de 10 minutos da boate onde se divertiram.

Donizete: “Cara, lembro de porra nenhuma de ontem. Só uns flashes”.

Juanito: “Mermão, só sei que meu salário todo foi pro saco”.

Um minuto constrangedor de silêncio enquanto os dois refletiam em suas respectivas condições existenciais se passou, até que:

Donizete: “Véééééei, e aquela gostosa que tu trocou idéia ontem?”.

Juanito: “Ah, nem peguei”.

Donizete: “Jura? Depois de 15 minutos, se não pegou, não pega mais! Tu tem que ser mais rápido, cara”.

Juanito: “Véi, você sabe que sou um cara proustiano.As pessoas têm a chance de se tornarem mais interessantes quando você não avança trop vite”.

- Quê?

Fim.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Nu, Desci


Essa era apenas uma das muitas brincadeiras que fazia com o próprio nome. Sujeito forte, moreno de olhos verdes - com cristais marrons -, Nudeci ostentava seu bigodão e os cabelos grisalhos; Na verdade já estavam eram brancos, mesmo.
- Desce daí! Sofá não é lugar de ficar pulando. Para de caçar chifre na cabeça de cavalo, rapaz! - pouco repreendia o neto, mas sempre o fazia de forma enérgica e com um tom de voz exclusivo para aquela situação.
Nascido em 1937, no dia 18 de setembro, Nudeci era pai de nove filhos, um deles fora do casamento. Perdera outros dois antes de completarem um ano, ambos fruto do casamento com sua amada Terezinha.
De Governador Valadares, em Minas Gerais, onde nasceu, passou por muitos "causos" até chegar em Cariacica, no Espírito Santo.
Teve a "solitária" que só foi expelida de seu organismo após a ingestão de uma dose da branquinha. Nem remédios tarja preta davam conta do verme.
Já havia saltado de um caminhão em movimento; encabeçou um abaixo-assinado para que as casas da região onde morava - Bandeirantes, em Cariacica - recebessem água encanada.
Mas o mais espantoso era sua habilidade - nunca comprovada - de fazer fogo apenas com as unhas. Sempre ressaltava que o fogo só aparecia ao pronunciar infinitas vezes o mantra "ó bobolhando".
Bobo mesmo o neto ficava quando o avô sabia exatamente quais pedras estavam na mão, e de quem, durante uma partida de dominó. Mas o velho não era muito chegado em perder, não. Chegou mesmo a recolher as peças do dominó ao tomar uma "bicicleta" do neto.
Quantas vezes não esteve em seu ateliê/bar/ponto-de-jogo-do-bicho/ loja-de-artigos-confeccionados-em-madeira, conhecido como "boteco", ouvindo a rádio "Espírito Santo" e fumando seu cigarro?
Não sobrevivera para ver seu neto, que anos antes lhe aplicara a famigerada "bicicleta", trabalhando na rádio que tanto ouvia. Aquele mesmo neto a quem ofereceu uma hóstia na igreja onde era ministro da eucaristia, mesmo sabendo que o jovem não havia feito a primeira comunhão.
Faleceu em 2009, no penúltimo mês daquele ano. Aquele homem tão forte que em um ano havia sido derrotado pelo câncer.
Aquele homem. Meu avô. Meu pai.