segunda-feira, 19 de maio de 2014

A Carta

"[...] A vida. Meus devaneios foram grandes companheiros. Nunca fui considerado uma pessoa distraída, mas vários foram os meus momentos de contemplação e questionamento. Todos os temos, acredite. Até os mais obtusos. E foi num de tais momentos em que senti o impulso de escrever a você.

Leviano, sei bem. Às vezes nos ludibriamos a nós mesmos. Me resta admirar as palavras que surgem da esfera de minha caneta. 

Retomemos o assunto.

Este é o funcionamento da memória: de um armazenamento intangível, uma fagulha recria cenários e pessoas ressurgem até da morte. Conexões sinápticas brincam de ser Deus, arquitetas de emoções e situações.

Desculpe-me. Ainda divago. Falava sobre um pensamento em particular, certo?

Lembrei-me. Naquela noite quente eu só queria passar a limpo todos os meus amores. Amores duradouros e amores efêmeros.Olhares sustentados e olhares desviados. Risos e também lágrimas.

Queria conversar com aquelas que suscitaram em mim as mais variadas formas de dúvidas e desejos. Todos os possíveis romances, todas as bifurcações de meu destino. A colega que amei por meses e sequer beijei; a amiga que se afastou em decorrência de minha única e até hoje amaldiçoada investida; as pessoas que rejeitei; as jovens que, a despeito do ardente desejo, recusei-me a sequer tentar... Tantas situações, tantas ilusões... Realizações, também! Por vezes amei e por vezes fui amado. Poucos foram os momentos em que ambos encontraram-se nos caminhos do destino, é bem verdade. Traí e fui traído. Sabe aquele clichê de que 'até nas roseiras há espinhos'?

Refleti e me convenci do contrário. Não deveria jamais desembaraçar meu passado. Todas as memórias e confusões, tristezas e projeções, eram não mais do que pinceladas na tela da minha vida. Pinceladas dadas com diferentes intensidades, segundo os ritmos do meu coração. Hoje sou o fiel retrato do quadro das minhas experiências..."

– Ah, cara. Chega! Seu bisavô era mó virjão.

– Haha! Né?! Acho que só ontem eu peguei mais mulher do que ele a vida toda.

– É mesmo! Hahaha! Você pegou oito, né?

– Ia ser nove se a Dani não desse aquele ataque de ciúmes. Guarda essa carta velha e pega logo o controle que a porra da fase vai começar.

Do céu, um vovô abençoava o jogo do bisneto com um sorriso desconcertado. E amoroso.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A Grandiosa Final

As estruturas do gigantesco estádio balançavam com tamanha empolgação das torcidas. Mais de 100 mil camisas, laranjas e azuis, pintavam as arquibancadas naquele domingo que prometia fortes emoções. Engana-se quem pensa que os únicos afetados por tal jogo eram os que se encontravam na arena naquela tarde. Emissoras de tevê, rádios, stream na internet e mais algumas variedades de transmissão integravam muitos outros milhões em todo o globo terrestre à emoção do local.

Os times finalmente entram em campo para delírio das torcidas. Litros e mais litros de cerveja são emborcados em bocas sedentas nas arquibancadas pulsantes. Dois representantes de cada time dirigem-se ao centro do campo e juntam-se aos juízes que ali já se encontravam. A plateia delira. Crianças berram... Num país distante, pessoas não muito familiarizadas com o esporte estranham a situação. 

– Dois caras só pra tirar o cara ou coroa? – pensa alto um guatemalteca.

"Cara", diz um dos representantes do time azul. Um dos juízes lança a moeda ao alto, que aterrissa com a face para baixo. "Coroa", anuncia o juiz.

Fim de jogo. Após um ano intenso de disputas, a torcida do time laranja pode tirar o grito de "é campeão" da garganta e comemorar.

– Uai, é só isso? – Se pergunta um argentino – Povo estranho.