sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Lembranças Efêmeras de Uma Mente Sem Brilho - II

(Gosto de piadas/trocadilhos/ambiguidades/referências/etc ad nauseam e acho o filme bem fantástico).


O medo de errar nunca me impediu de cometer milhões de erros. Dos catastróficos aos microscópicos. Algumas vezes parecia que simplesmente o mundo não fora feito pra me conter em seu conjunto de flutuações estatísticas do que constitui um ser humano. Noutras eu via com clareza (e uma dose particularmente pequena de egocentrismo, dessa vez) que eu é que estava com defeito de fábrica. Mesmo que eu quisesse analisar friamente todos os dados e possibilidades e tentasse ser mestre (que é mais irado que "doutor") da minha própria vida, os dias, sem a menor noção de sensibilidade, continuavam inexoravelmente trazendo novos erros. Mudei de plano. Talvez, ação por ação, escolha por escolha, analisando ~simplesmente~ suas consequências, eu poderia moldar meu futuro. As variáveis eram tantas que meu processador-entre-orelhas deu "telas blues", a tal da tristeza. Metodologia é uma instituição mutável por filosofia. Parti então para a ideia da confrontação apenas das escolhas. Era só avaliar a tabela semi-imutável da minha ética e achar o resultado da função. Errado de novo. Conflitos ético-morais desafiavam a sintaxe da linguagem de programação que construí ao longo da jornada. Sem contar que a impossibilidade bioquímica e física e qualquer junção de uma ciência + sufixo "ica" (se já não estiver presente no próprio nome da ciência escolhida) do livre-arbítrio também afetou profundamente meu id. Ou ego. Ou superego. Não sei. Poderia dizer mais uma vez que sou um cara de Exatas e nada a ver ter feito Humanas porque isso me deixou meio estranho e perdido. Mas talvez a tal da Humanas me deixou mais humano. Portanto, irremediavelmente perdido. Porém, satisfeito em andar devagar e seguir em frente.


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A poesia é uma mentira deslavada. Ou uma verdade escondida. O romance é estelionato puro e simples, mesmo quando transformador. Só a autobiografia é uma mentira sincera.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Lembranças Efêmeras de Uma Mente Sem Brilho – I

(Gosto de piadas/trocadilhos/ambiguidades/referências/etc ad nauseam e acho o filme bem fantástico).


Meus dedos-do-pé já não são mais os mesmos; tenho vontade de dizer algo inteligente, algo contextualizante, algo que mal você bate o olho na tela do computador (não tenho a pretensão de imaginar esse texto impresso algum dia. Papel é coisa séria – apesar de que tem um certo site aí a fim de reunir todo o conteúdo digital já produzido pela raça humana, né? –. Então isso aqui pode ser sério) e fala: esse cara sabe o que tá dizendo e, realmente, os dedos do pé dele já não são mais sequer pálidas sombras do que já foram outrora. Penso um bocado e nada me vem à mente. Estamos, porém, no século XXI e nada me impede de uma rápida pesquisa no Google. Sou, então, introduzido à arte de determinar a personalidade de uma pessoa pelo formato de seu pé. Coisa chinesa/indiana. Milenar. Descubro ter o pé helênico e, tristemente, atesto ser esse o de descrição mais vaga: tenho muitos desejos e sentimentos mas meus “traços importantes” só serão eventualmente definidos se alguém parar para verificar com que frequência e maneira exponho tais fatores determinantes da minha psique. Não sou egípcio (perfeccionista), nem asiático (pacato). A superficialidade das distinções e completa genericidade descritiva me afastam desse ramo da reflexologia podal. Caio, ato contínuo, nas exposições enciclopédicas de tarso, metatarso e falange. Cuboide me lembra do desenho Pokémon e a parte chamada cuneiforme medial me dá a estranha sensação de que os anatomistas querem me forçar a acreditar que a escrita cuneiforme surgiu na Idade Média. Não sou bom em Biomédicas. Nem em Humanas. Mais uma vez me convenço de que deveria ter trilhado o caminho das Exatas.


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"É verdade que você escreve em primeiro lugar para si mesmo, para o leitor que tem dentro de si, ou então porque não pode evitar, porque não consegue suportar a vida sem entretê-la com fantasias; mas, ao mesmo tempo, você precisa peremptoriamente ser lido". 

Rosa Montero. "A Louca da Casa".


E o VLM volta.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Fim

Todos os dias aquele sentimento indesejado me encontrava; aproximava-se, envolvia meu já abatido corpo, por trás, perfurava meu peito, dilacerava minha razão e me deixava a sofrer. Minhas noites eram cópias mal feitas umas das outras. Minha cabeça enuviava, meu peito afundava numa enchente de perguntas que geravam um lamaçal de quase arrependimentos. Relatar os fatos foi o que me restou, tentando extirpar de mim tais experiências dolorosas. Antes, antes de expor o que me afligia, a sensação era de que um dia explodiria por aí.


O laborioso ato de escrever sobre tais angústias teve início após um encontro virtual lamentavelmente ocorrido naquela quinta-feira. Um dia que, mesmo antes, somente oferecia inusitadas frustrações. Não vamos focar nos pormenores, não vale a pena. (Algo vale?) Ou você prefere saber dos ínfimos detalhes? Não, prossigamos.


Era uma estranha quinta-feira onde a vida parecia zombar, de novo, de minhas escolhas. Interessantemente, meu espírito não se abatia tanto com tamanhas frustrações. Naquele dia
ríamos, eu e um amigo, dessa tal de vida e tudo pelo que passamos durante nossa jornada.
Andávamos questionando nossa sanidade e, por mais que isso soe um tanto neurótico, brincávamos com a ideia de que o mundo inteiro havia enlouquecido e éramos os únicos que
aparentemente haviam notado. Aliás, era justamente este o motivo que nos levava a duvidar -
razoavelmente - da nossa capacidade de discernir o real do irreal. Concluímos que relacionamentos fraternais são uma dádiva nesse mundo esquisito em que vivemos.


Eis que ao verificar outra aba do navegador de internet que utilizava para me comunicar, tenho uma estranha sensação, um choque súbito. Lá estava. A me olhar. E era incrível. Seus olhos eram exatamente os mesmos. Seu rosto mudara pouco. Seu cabelo brilhava. Mas, e sinceramente nunca havia visto algo assim até então, era outra pessoa.


A genética pode desafiar a probabilidade quando há tantos humanos vagando por aí.


Meu algoz estava ali. Me encarava com olhar penetrante. Nunca havia visto aquela pessoa, porém, ela era uma cópia fiel da outra designada para pôr fim ao meu lento caminhar. Até agora não sei explicar de onde veio tamanha iluminação, mas eu havia então decifrado o intricado código do fim da minha própria vida. A partir daquele momento não haveria pedido, oração, súplica que me salvasse do fado. Minha vida estava conectada à vida de alguém.


Transtornado, pensei contactar o dono do desconhecido rosto da imagem. Sem dúvida haveria alguma conexão entre ele e o meu executor. Contudo passaram-se dolorosos dias e ainda não reuni coragem o suficiente para enviar minha desesperada mensagem.


Bem, hoje estou aqui, completamente desperto próximo do alvorecer de um novo dia. Não sei a quem recorrer. Não sei se é possível que eu esteja realmente certo sobre tal premonição. Todos os dias abro o arquivo com a foto daquele rosto desconhecido que, porém, me parece assustadoramente familiar e ao mesmo tempo macabro. Sinto sono. Sinto uma aproximação.