quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Torrente


Olhava para o céu.
Apesar de estar enclausurado num ônibus, sua mente voava como uma águia etérea, que percorria as maiores distâncias em segundos, além de não fazer distinção entre o tangível e os sentimentos.
Nesta noite o firmamento lembrava uma folha de papel carbono que vez ou outra era virada e tinha a parte mais clara exposta.
Acima dos edifícios, árvores, fios e toda a parafernalha que constitui uma cidade grande em pleno início de século XXI, as nuvens carregadas pareciam esperar apenas um sinal para se derramarem sobre asfaltos impermeáveis.
Em intervalos de tempo diferentes, a luz emitida por elétrons excitados alcança sua retina e o céu fica branco.
Sua mente-águia resolveu sobrevoar lugares obscuros à sua razão, como a Física.
Muitos metros acima do ônibus onde se encontrava, uma gotícula de chuva precipitou-se e, enquanto descia em queda livre e ganhava cada vez mais velocidade, sofreu alterações de percurso proporcionadas pelo vento que fez com que seu destino fosse a nuca do jovem que voltava de um dia de trabalho.
Curioso. Se sua trajetória fosse registrada em um filme - ou num desenho, quem sabe -, ficaria claro que aquele encontro fora uma obra do destino.
Como pôde uma gota de chuva passar por uma fresta tão pequena na janela do automóvel e se chocar justamente contra a nuca desse jovem que há pouco estava tão longe?
No terminal, as gotas que caíam eram mais robustas que a jovem e ansiosa gotícula que se chocou contra a pele do rapaz. Uma poça se formou e refletia a imagem da luz do poste, que ficava deformada com as oscilações na superfície da mesma.
E mais um ônibus parou e abriu suas portas.



x' = Julgamentos a posteriori são complexos demais para a mente humana.
x" = A Física idem, mas só para a minha mente.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Ruim Com Eles, Pior Sem Eles

O terminal:

Acabara de saltar no Terminal de Laranjeiras – que não demonstrava nem um pouco de satisfação ao vê-lo, muito menos sorriu – e correu para o banheiro para se aliviar.

Enquanto o alívio tomava conta de seu ser, Frodo notou um jovem que estava no recinto insalubre junto dele. O garoto cheirava cocaína como se quisesse fazer nevar dentro de si. Frodo manteve-se indiferente ao aspirador de pó, pois notou um senhor de idade, que usava o mictório ao lado, apenas uma fração de segundo depois de sentir a presença do pequeno drogado. Esse sim prendeu sua atenção. Por desagradáveis oito segundos Frodo encarou o velho, não acreditava na cara de pau deste, que durante os oito segundos sequer fez menção de desviar o olhar de seu pênis. Frodo lavou as mãos e fugiu correndo do alcance visual do manja-rola.

Na fila do 506 tudo correra bem. Seu fone de ouvido resolveu estourar uma rebelião e não funcionou por mais de quinze segundos. Nesse curto intervalo entre uma música do Darkthrone e outra, Frodo ouviu sobre a violência crescente de um bairro cujo nome não significava nada para ele, e um trecho da história de um rapaz que queria dar cabo à própria vida porque sua namorada disse que não gostava de seu novo corte de cabelo. A história era tão promissora que Frodo desistiu de escutar música para ouvi-la até o fim.

Outra frustração. No fim, o cara entrou na casa da namorada. Frodo não escondeu um sorriso de satisfação pervertida ao pensar no casal desconhecido fazendo sexo, mesmo com o novo corte de cabelo do macho, que, julgava, seguia o modelo do corte do Neymar.

Seu sorriso esmaeceu ao notar que se encontrava na fila do 503 e que um 506 acabara de partir.

A viagem:

Dezesseis minutos depois, entrou num ônibus lotado, mas isso não foi problema. Em apenas quatro minutos de viagem, conseguiu sentar no lugar de um cobrador anão que descera do ônibus.

Sentado ao lado da janela, Frodo olhava pro céu nublado com cara de quem estava fazendo cosplay de Daron Malakian no clipe “Lonely Day”. Mas isso não é nem um pouco surpreendente, pois nosso valente guerreiro estava, de fato, ouvindo “Lonely Day”.

Mais do que de repente as batidas de funk surgiram no fundo do busão. O ônibus estava em Carapina àquela altura.

Em frente ao aeroporto Eurico Salles foi a vez de uma greve paralisar o funcionamento de seu fone. O esquerdo. Sempre o esquerdo!

Resolveu abstrair da sua condição existencial e tentou “curtir” o funk. Quando escutou “ela balança o cu na vara”, teve duas reações quase simultâneas.

Primeiro pensou na capacidade de obliteração de qualquer noção de convivência humana que provinha do funk, e concluiu: são visionários.

Em segundo lugar decretou que aquele dia era, definitivamente, um dia ruim, mesmo que fosse sua folga.

Mal finalizara mentalmente sua carta de suicídio e o ônibus atropelou uma velhinha.

Viagem interrompida / Mais um terminal:

Morte súbita. Frodo quis chorar. Ela foi o último elemento que entrara na sua pesquisa: noventa por cento dos velhinhos têm cara de bonzinhos, não importa o sexo, muito menos o passado. Ela fazia parte dos noventa. Uma pena, pensou.

Outro ônibus veio e Frodo completou o resto do trajeto com relativa paz. Espera, acho que não dei ênfase o suficiente na palavra “relativa”. Crianças berrando e violência sonora – funk – podem caracterizar distúrbios relevantes na viagem.

Enfim, Terminal de Jardim América.

Correu para não perder o ônibus, e sua passagem pelo terminal não teve traumas.

Como até o diabo tem momentos de sorte, Frodo foi tranquilo nos últimos vinte e três minutos de viagem, inclusive, ouvindo música.

A descoberta / A visita:

Ao descer do ônibus, em frente ao seu portão, Frodo chutou um pequeno objeto. Abaixou-se e pegou o que descobriu ser um anel. De plástico.

Frodo olhou para o anel como se este fosse um tesouro perdido de Atlântis e teve apenas um desejo: ser invisível.

Queria desaparecer do mundo, fugir das relações sociais e, principalmente, sumir da frente de qualquer motorista de ônibus.

Durante seus devaneios, Frodo entrou no modo “piloto automático” e já estava sem os tênis quando se sobressaltou com um visitante inesperado.

Gandalf adiantou-se das sombras e fez um breve discurso:

- Desamarre esta cara, jovem.

Não importa se você tem sorte ou não. O que realmente importa é o seu valor, o seu caráter.

No mais, já que falei de valor, acompanhe meu raciocínio. O transporte público deveria ser gratuito, mas não acha que menos de três reais são pouco frente ao confronto com novas histórias e vidas?

Ônibus. Ruim com eles, pior sem eles.

Ao término do monólogo, Frodo pensou com seus botões:

- Por isso que não gosto desse velho, ele só é útil com suas magias.

Pelo menos não tem ônibus nas Terras Imortais.

FIM

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Receita


1 - Pegue qualquer trecho de sua percepção de realidade.
2 - Reflita sobre essa pequena amostra de caos por alguns minutos, em fogo baixo, afinal, somos seres racionais, não passionais.
3 - Faça uma análise. O quê? Quem? Como? Onde? Quando? Por quê? Sistematize o caos.
4 - Refogue suas mágoas.
5 - Adicione uma pitada da segunda lei da termodinâmica à sua tese.
6 - Sistematize os microestados novamente.
7 - Deixe a dialética secando até anoitecer.
8 - Escreva a frase "O destino é inexorável" em cima do seu preparado.

Pronto, é só comer e esperar sua mente digerir o seu passado.

PS: Quando for evacuar suas conclusões não se esqueça:
Viva La Merda!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O Sobrevivente



Navegava em seu mar de solidão.

Navegava em seu mar de ignorância.

Navegava em seu barco sobre águas plácidas.

Testa larga, nariz adunco e olhos desesperançados. Era como um comandante viking, porém, sem braceletes, sem vitórias, sem deuses e sem glória. Não passava de um pobre homem sem companhia, sem rumo e sem objetivos.

Era noite.

A visão daquele barco naquela imensidão de água negra formava um quadro lúgubre. A solidão era tão latente que nem as estrelas o encaravam. Nem a majestosa lua aparece nesse quadro.

Sentia uma vibração estranha desde o crepúsculo.

Ondas de insegurança invadiam o seu corpo ao mesmo tempo em que as ondas do mar viam de encontro ao seu barco.

O mar ficava cada vez mais agitado e o navegador sentia que a hora estava chegando. De súbito corre para o interior da embarcação e retira um colar de dentro de uma maleta. O objeto toca seu peito por sobre uma camisa surrada e suja.

“Finalmente. Finalmente chegou a hora”, pensa.

Após tantos meses navegando a esmo não sabia mais se estava perto de algo. Sabia que o mundo era redondo e sabia que ele dava voltas, mas volta e meia achava que a Terra se resumia ao mar contínuo e calmo.

Mas a hora havia chegado.

O mar está cada vez mais revolto e o marujo aguarda. Apesar de não ter nada que o prenda a esta vida, não vai se deixar entregar tão fácil. O instinto é mais forte que sua depressão.

Saíra para o mar para fugir, mas o destino não se engana.

Ondas fortes batem contra a embarcação. O barco chacoalha e a chuva espanca seu corpo de forma violenta. O “anônimo” – nome carinhoso que dera ao barco roubado – inclina-se num ângulo perigoso, à beira de um naufrágio. O homem sobe no mastro, desamarra as velas e sente a chama da esperança ser ofuscada por um brilho branco-azulado bem próximo ao seu rosto. Com o susto veio a queda; e a escuridão.

No céu, raios se entrelaçavam como veias de um braço poderoso, gerando uma bela imagem que ninguém contemplava.

Enquanto o fugitivo permanecia desmaiado, dois raios caíram no seu barco. Para sua sorte, madeira não conduz energia muito bem. No entanto, não se pode dizer o mesmo com relação ao fogo.

Labaredas altas lambiam aquele corpo adormecido, mas as ondas se encarregaram de empurrá-lo para uma tábua que flutuava intocada pelas chamas.

Algum tempo se passou.

Dor.

A primeira coisa que aquele ser sentiu foi dor. Sentia sua pele arder, o sal o incomodava e sua cabeça parecia estar sendo esmagada pelo martelo dos deuses. Mesmo com os olhos fechados, notou que era dia. Para sua surpresa, sentia toques. Humanos ou de animais?

Se arrependimento matasse esse homem nem teria presenciado o fogo-de-santelmo. Era um fugitivo dos mais clichês. Fugira do seio de sua família por motivos incertos. Fugira de sua vida entediante.

Decidiu abrir os olhos. A luz se apressou em fazer sua pupila se contrair, mas uma parcela dessa luz chamou sua atenção. A luz que era refletida por um corpo já bastante conhecido seu. Sua mulher segurava-o no colo com os olhos marejados.

A euforia peremptoriamente tomou o lugar da dor.

Todas as reflexões de meses se foram. A vergonha, o arrependimento, a saudade, a solidão, as dúvidas. Tudo passara.

Com um sorriso no rosto, aquele resquício de homem pensava: “Um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar”.

Mal sabia o homem que essa já era a segunda vez em sua vida.

E para aqueles que questionam a probabilidade disso ocorrer, eu lanço uma pergunta.

O que significam chances e porcentagens diante do destino e do amor?

terça-feira, 7 de junho de 2011

Rotina



Esqueça tudo o que viu nos últimos dias. A encenação acabou. O ódio volta a protagonizar.
Aquele velho sentimento.
Aquele velho descontentamento contente.
Um naipe de metais volta a ensaiar na escuridão do teatro.
Assume sua posição de ataque e espera.
Espera...
Um arrepio o atinge, derivado de um calafrio.
Um suspiro.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Em Busca do Horizonte



Minha mente é um campo de batalha. Mas não um campo plano. Um campo de difícil acesso e compreensão. Estratégias não surtem efeito. O campo é traiçoeiro. Onde havia cumes, agora há depressões.

Muitas baixas e pouco avanço. As trincheiras mudam de posição, mas o fim parece estar além do horizonte. O sangue fétido salpica a terra. Sempre um soldado ferido está trauteando uma canção de tristeza, de saudade. Soldados que nem mesmo sabem o motivo da guerra. Não se recordam de como foram parar ali. Só possuem o instinto de lutar por um ideal. Mas o lema é, foi, e sempre será uma mentira. As baixas aumentam, a seta do tempo avança. Aquele é o inferno. Ele está lá. Ele está em mim. Essa guerra não terá vencedores. Entre mortos e feridos, a salvação é a única certeza que eles têm. A certeza de que ela não virá. Ressurreição é coisa de Messias. E como um bom anticristo, o sagrado não surte efeito. E a batalha prossegue... Ao som de lâminas e gritos de raiva e de dor. Mas nesse campo desolado, não há espaço para cantos de vitória. A terra se mantém girando, o sol vai e vem, mas o horizonte... Esse nunca chega.

terça-feira, 1 de março de 2011

O Ódio de Joãozinho


O conto abaixo descreve acontecimentos reais e verídicos. Mas para proteger a identidade do protagonista, iremos chamá-lo apenas de Joãozinho.


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Joãozinho é estudante de Serviço Social na UFES. Ele estava insatisfeito em seu curso, por vários motivos, e resolveu pedir reopção na universidade. Iria buscar algum outro curso, e enquanto não pudesse fazer a reopção, pegaria todas as matérias de tal curso que fosse possível, para que pudesse adiantar a situação na sua grade curricular.

No dia 28/02, quando as aulas na UFES reiniciaram após o recesso, Joãozinho acordou decidido a ir para o curso de Letras-Inglês. Chegou na sala e olhou ao redor: quatro caras que pareciam ter saído de uma maratona de 39 horas de World of Warcraft sentados olhando totalmente em silêncio para o quadro, esperando pela professora atrasada; duas fileiras de gurias conversando animadamente com aquele tom de voz "barbie gril" sobre como adoram inglês e sonham estudar na europa - uma delas disse que gostaria de estudar em "London", ao que as outras responderam com risinhos falsos.

Não entendam Joãozinho mal, ele também tem seu lado nerd e mauricinho. Mas não é um lado "OLHA MINHA CARA DE QUEM JOGA MMORPG'S DE FRALDA E SORO NA VEIA" ou "PAPAI COMPROU UM BMW PRATA PRA MIM, PRATA É TÃO 2007".

Joãozinho então levantou-se após estar sentado durante 15 minutos e resolveu dar uma chance a outro curso que considerava para sua mudança na UFES: Artes Visuais.

Chegando lá, a primeira impressão foi positiva. Pessoas vestidas de maneira alternativa, três das meninas que seriam da sala de Little John ele já conhecia de rocks, pré-vestibular ou ensino médio. Também conhece pessoas de outros períodos, e se dá bem e admira todas. Foi um bom dia para Kleinen Johan.

No dia seguinte, Petit Joaux voltou para a Artes Visuais, para ter de fato sua primeira aula: Cor. O nome da matéria não o agradou muito, mas, pelo fato de ter se dado bem com as pessoas do curso, resolveu dar uma chance.

Joãozinho começou a se irritar.

Joãozinho sentiu um mixto de vergonha alheia de si mesmo e raiva quando viu o programa da disciplina.

Joãozinho sentiu vontade de enfiar o pincel da professora em seu próprio globo ocular, girar e fazer círculos na metade da aula.

Joãozinho definitivamente não possui dom artístico.


Resumo da ópera:

Pequeño Juanito possui muito, muito ódio no coração. E percebeu que vai achar motivos para odiar qualquer curso que fizer, assim como qualquer outra coisa que fizer na vida. Piccoli Giuanetto decidiu então começar uma banda de Death Metal e espalhar ódio e agressividade pelo mundo. O nome da primeira música será "Chainsaw Through Your Fucking Head If You Ever Make Me Watch A Color Class Ever Again, Motherfucker".

E assim, abraçando seu ódio e aprendendo a conviver com ele, Joãozinho continuará no Serviço Social.


Fim

sábado, 19 de fevereiro de 2011

É O Que Eu Digo:



Alguns dirão que ele não deu chances ao amor.
E isso não deixa de ser verdade.
Se ele tivesse dado mais chance, talvez...
Mas a culpa foi dos dois: ele e o amor.
Quando o amor deu o ar da graça, ele ignorou.
E quando ele quis, o amor passou longe.
Sucessão de erros e desencontros dá nisso mesmo, na incapacidade de querer ser feliz.
Aliás, de ser feliz a dois.
‎'Deixa assim como está. Sereno'.
A arte de viver consiste em estar vivo.
E o coração está longe de querer descansar...