quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Bananeira

 Bananeira


Ainda não se acostumara a passar os dias a sós depois de tantos anos cuidando de tantos filhos. Não que morasse sozinha. A maioria ainda vivia ali. Todos trabalhavam, finalmente. E o marido, aposentado como ela, visitava uma irmã naquela tarde. Decidiu chupar uma das laranjas da fruteira e foi ao quintal. Portava faca e laranja quando saiu sob o sol escaldante. Após quase cinco minutos a observar um par de folhas de bananeira, finalmente caiu em si e voltou a ser dona de seus pensamentos.

- Será que planta faz safadeza? Não, elas devem estar só dançando - deixou o raciocínio no ar por poucos instantes - e eu tô ficando doida. Planta dança, por acaso? - divertiu-se.

Já à noite, em sua cama com o esposo, a lembrança daquele par específico de folhas ainda morava em seus pensamentos. 

- Hômi.

- Hm.

- Cê acredita que eu tava chupando laranja hoje mais cedo no quintal e vi duas folhas da bananeira do vizinho tipo como se tivessem escutando música no vento e dançando?

Só duas? - O velho riu, erguendo uma sobrancelha - As outra tavam cansada?

- Bobo - riu - as outras também balançaram, mas tinha duas que balançavam junto.


***

No dia seguinte, após lavar a louça do almoço e guardar as panelas na geladeira pra janta, foi ao quintal cuidar da roseira, espiou a goiabeira e se questionou se estaria em vida quando finalmente brotasse jabuticaba naquele outro pé. Repentinamente recordou-se daquelas plantas estranhas e foi dar uma conferida do outro lado do espaçoso quintal.

"O mal elas não praticaram porque são só plantas", sussurrava consigo mesma enquanto encarava as folhas, agora quebradas. "Mas o bem também não dá pra fazer se você é só uma folha de bananeira", concluiu. 

As mesmas duas dançarinas do dia anterior mantiveram a dissidência do restante e eram as únicas quebradas entre todas as folhas dos dois pés de banana que cresciam no terreno do vizinho, rentes ao muro que fazia a divisão entre os quintais.


***

Como tinha muitos filhos, alguns dias eram dedicados a eles, presencialmente, como nos fins de semana, ou em pensamento, dado que era muito preocupada com o bem-estar de todos da família. Até mesmo esqueceu-se da dupla de folhas por alguns dias, com exceção de uma vez, que, enquanto cozinhava, questionou em pensamento se a ruptura causada pelo vento faria com que as folhas secassem e morressem. Como a posição da janela não permitia que enxergasse aquele ponto do muro do compadre, não conseguiu observar naquele instante e voltou sua concentração às cinco panelas que usava para cozinhar ao mesmo tempo com sua destreza.


***

Três dias sem pensar em bananeira alguma passaram, até que se lembrou da morte iminente das duas amigas e foi conferir, após escorar o corpo no caule do pé de cacau, as secas e penduradas folhas.

- Será que elas já morreram? Será que até isso elas fizeram juntas? - cogitou, chupando uma laranja.


***

Um dia, quando foi catar a roupa do varal, teve sua atenção atraída por aquela parte do muro.

- Seu Arnaldo, o senhor cuida que esse cacho ali tá despendendo pro meu quintal, hein - sorriu e o cumprimentou, deixando o protocolo pra depois da pilhéria. 

- Ô vizinha, se quiser pode cortar pra vocês que o cacho do outro pé já dá pra fazer bolo e até doce. Às vezes esse pé parece que queria mesmo era ter nascido do outro lado.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Emulsão

"O sabão lava meu pezinho, lava meu rostinho, lava a minha mão. Mas Jesus pra me deixar limpinho quer lavar meu coração". Isso tava num CD que eu ganhei. Os caras sabiam mesmo como cantar! Só que, pensando bem, não acredito que tomava banho de sabão à época. Sempre foi sabonete, não? Qual a diferença entre sabão e sabonete? "Sal do ácido gordo empregado" e "alcalina" não necessariamente acrescentam muito no momento. Mas se a "sujidade" for "emulsionada" em água tá ótimo. Ou a gente pode começar com um grave problema mental atrelado a alguns relacionamentos marginais e tóxicos, roubar gordura humana de alguma clínica e destruir o sistema crediário global, também. Ou, pelo menos, aprender com profissionais de verdade enquanto adaptamos uma história fictícia a outro meio de comunicação que impulsiona o aumento das possibilidades lucro-narrativas do produto em questão. Uma coisa é certa: saponificação não é mais uma palavra monossêmica, ainda bem. 

É imperativo que o ato de lavar as mãos tenha uma duração mínima para que deem-se os processos químicos necessários no combate à proliferação do Sars-CoV-2. Existe pelo menos um vídeo que demonstra isso de forma irrefutável. Na Banheiro do Gugu, ao contrário, existia um tempo máximo para conseguir agarrar o sabão. Ou sabonete. "Hoje eu ia entrar com o Neymar, eu ia entrar com o Cauã Reymond", disse Luiza Ambiel a Luciana Gimenez enquanto se submetia à avaliação de uma Máquina da Verdade pouco antes de resgatarem a imagem de Jô Soares na banheira com ela. "Quando o mal faz uma manchinha eu sei muito bem quem pode me limpar. É Jesus, pra me deixar limpinho, quer meu coração lavar".