quarta-feira, 3 de maio de 2017

Lembranças Efêmeras de uma Mente Sem Brilho - IV

Ver da janela, no meio da madrugada, um horizonte impedido por prédios que despontam acima da roupa secando em um varal curto protegido por uma grade imunda de resíduos da indústria brasileira me deixa muito mais sossegado do que minha antiga vista. Antes, pequenas casas, caixas d'água e muita natureza me forçavam a lembrar da pecaminosa solidão que sentia, afinal, estava no seio de minha família, num ambiente tão aprazível quanto bravamente conquistado por gerações anteriores. Era errado. Criaram aquilo. Por eles e por mim. Até a ebriedade era desrespeitosa. Não mais. Agora a vida se desenrola num ambiente impessoal. A despeito dos significados atribuídos por mim a cada parte do novo lar, essa casa não me pertence e não me é de direito. O que resta sobra em suficiência. Mil lares, mil famílias, mil solidões compartilhadas numa simples olhadela. Mesmo tratando-se de uma visão romântico-niilista da contemporaneidade, essa é uma realidade que me satisfaz. Contemplar o horizonte (semi)natural gerava a sensação de estar nu contra a grandeza da Vida. Agora, a vida se esconde em segundo plano, atrás das rotinas, dentro da casa da qual me despeço toda vez que busco algum pertence. Pertencer à lógica onde sou apenas um e não mais "eu" me tranquiliza. Abro uma garrafa de cerveja ou fumo um cigarro ou checo as redes sociais no meu smartphone. Tanto faz. Não me sinto mais sozinho.

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Menos céu implica menos metafísica.

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