“O que você está fazendo?”,
perguntou um amigo do cara sentado no sofá de uma república qualquer perto de
qualquer universidade dessa merda desse país.
– Bebendo, oras – respondeu o
rapaz de semblante cansado, com marcas de um profundo roxo abaixo dos olhos,
cabelo despenteado e olhar distante, enquanto tomava mais um gole da cerveja
pielsen comprada num bar frequentado por diversos bêbados-de-fim-de-semana que
resolveram se arriscar fora do “turno” e bebiam em plena quinta-feira.
– Está bem, vou reformular a
minha pergunta. O que você está fazendo com a sua vida? – insistiu o amigo.
– Bem, você quer saber sobre a minha
vida, né? Então, para te responder de
forma satisfatória, eu vou começar pelo começo...
“A minha existência se resumia a
uma minúscula probabilidade de não ser desperdiçado em várias ações que
envolviam meu pai e suas paixões. Espera. Isso não importa. Fui além do começo!
O começo mesmo pode ser considerado o sagrado momento tão banalizado pelos
filmes pornôs que é o ‘jorro da vida’, o ‘espirro do gigante’, ou como queira
nomear. Enfim, o momento – que espero que tenha sido bom para as partes
envolvidas – em que meu pai e minha mãe faziam sexo casualmente, sem nem pensar
na merda que estavam fazendo. É incrível como, antes mesmo de me conhecerem,
eles já estavam sendo tão injustos comigo. Daí eu cresci dentro da minha mãe,
onde minhas habilidades de parasita foram bastante desenvolvidas, mesmo que
inconscientemente. Depois do parto teve todo um trabalho de padronização do uso
do meu cérebro, infância dolorosa, adolescência patética até o júbilo
existencial do meu primeiro contato com o álcool. E é a partir dessa gama de acontecimentos
– resumidos de forma magistral por mim – que temos os componentes básicos para
que possamos, enfim, formular uma resposta contundente à sua capciosa pergunta,
qual seja, ‘estou bebendo, oras’”, respondeu “de forma satisfatória” o
decadente rapaz.
– Ok, Babaca. Mas tem algum
motivo para você estar bebendo tanto ultimamente? – retrucou o amigo num tom
áspero de quem se arrependeu por ter iniciado um diálogo.
“Pô, então, essa sim é uma
resposta complexa de ser dada. Vamos pular toda a construção histórica que foi
necessária para que a cerveja se tornasse um elemento tão proeminente na
cultura brasileira e vamos ao que importa. Sexta-feira passada eu decidi beber
por uma questão de pertencimento a um grupo social, no caso, os universitários.
Partindo dessa vontade de ser considerado igual dentro desse círculo social,
fui a um barzinho aqui perto com o pessoal da minha turma e bebi bastante. No
sábado eu decidi beber porque estava com uma ressaca muito forte e dizem que
nada é melhor para curar a ressaca do que uma nova bebedeira. Dessa forma
chegamos ao domingo, dia de churrasco de família, isto é, dia de todos os
elementos constituintes do grupo ‘família’ variarem numa escala de ‘levemente
embriagado’ até o sensacional ‘bêbado como um gambá’ ao qual tenho o orgulho de
dizer que fiz parte naquele dia. É uma pena que após um domingo vem uma
segunda-feira e precisamos voltar à miserável rotina de trabalho. Por esse
motivo tive que beber na segunda-feira no happy
hour com o pessoal da repartição. Precisava aceitar o meu triste fado de
que a vida não se resume aos fins-de-semana. Na terça eu resolvi beber em
homenagem ao grande Tyr, que é quem deu origem ao nome do dia no idioma inglês.
Chegamos então ao dia de hoje que é o dia cabalístico no qual resolvi decidir o
que vou fazer da vida agora que optei por largar a faculdade. Logo, decidi que
vou fazer o que faço de melhor: beber”.
– Certo, então. Vou pra casa da
Júlia. Vê se não se mata de beber, hein – alertou o amigo enquanto fechava a
porta com a mesma mão em que carregava uma sacola cujo conteúdo seria
apreendido por policiais em menos de trinta minutos.
O beberrão espreguiçou-se e
pensou: “melhor comprar mais umas cinco garrafas de cerveja antes que a vida
acabe. Ih, tem jogo do Flamengo hoje. Melhor comprar vodka”.
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