segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Ruim Com Eles, Pior Sem Eles

O terminal:

Acabara de saltar no Terminal de Laranjeiras – que não demonstrava nem um pouco de satisfação ao vê-lo, muito menos sorriu – e correu para o banheiro para se aliviar.

Enquanto o alívio tomava conta de seu ser, Frodo notou um jovem que estava no recinto insalubre junto dele. O garoto cheirava cocaína como se quisesse fazer nevar dentro de si. Frodo manteve-se indiferente ao aspirador de pó, pois notou um senhor de idade, que usava o mictório ao lado, apenas uma fração de segundo depois de sentir a presença do pequeno drogado. Esse sim prendeu sua atenção. Por desagradáveis oito segundos Frodo encarou o velho, não acreditava na cara de pau deste, que durante os oito segundos sequer fez menção de desviar o olhar de seu pênis. Frodo lavou as mãos e fugiu correndo do alcance visual do manja-rola.

Na fila do 506 tudo correra bem. Seu fone de ouvido resolveu estourar uma rebelião e não funcionou por mais de quinze segundos. Nesse curto intervalo entre uma música do Darkthrone e outra, Frodo ouviu sobre a violência crescente de um bairro cujo nome não significava nada para ele, e um trecho da história de um rapaz que queria dar cabo à própria vida porque sua namorada disse que não gostava de seu novo corte de cabelo. A história era tão promissora que Frodo desistiu de escutar música para ouvi-la até o fim.

Outra frustração. No fim, o cara entrou na casa da namorada. Frodo não escondeu um sorriso de satisfação pervertida ao pensar no casal desconhecido fazendo sexo, mesmo com o novo corte de cabelo do macho, que, julgava, seguia o modelo do corte do Neymar.

Seu sorriso esmaeceu ao notar que se encontrava na fila do 503 e que um 506 acabara de partir.

A viagem:

Dezesseis minutos depois, entrou num ônibus lotado, mas isso não foi problema. Em apenas quatro minutos de viagem, conseguiu sentar no lugar de um cobrador anão que descera do ônibus.

Sentado ao lado da janela, Frodo olhava pro céu nublado com cara de quem estava fazendo cosplay de Daron Malakian no clipe “Lonely Day”. Mas isso não é nem um pouco surpreendente, pois nosso valente guerreiro estava, de fato, ouvindo “Lonely Day”.

Mais do que de repente as batidas de funk surgiram no fundo do busão. O ônibus estava em Carapina àquela altura.

Em frente ao aeroporto Eurico Salles foi a vez de uma greve paralisar o funcionamento de seu fone. O esquerdo. Sempre o esquerdo!

Resolveu abstrair da sua condição existencial e tentou “curtir” o funk. Quando escutou “ela balança o cu na vara”, teve duas reações quase simultâneas.

Primeiro pensou na capacidade de obliteração de qualquer noção de convivência humana que provinha do funk, e concluiu: são visionários.

Em segundo lugar decretou que aquele dia era, definitivamente, um dia ruim, mesmo que fosse sua folga.

Mal finalizara mentalmente sua carta de suicídio e o ônibus atropelou uma velhinha.

Viagem interrompida / Mais um terminal:

Morte súbita. Frodo quis chorar. Ela foi o último elemento que entrara na sua pesquisa: noventa por cento dos velhinhos têm cara de bonzinhos, não importa o sexo, muito menos o passado. Ela fazia parte dos noventa. Uma pena, pensou.

Outro ônibus veio e Frodo completou o resto do trajeto com relativa paz. Espera, acho que não dei ênfase o suficiente na palavra “relativa”. Crianças berrando e violência sonora – funk – podem caracterizar distúrbios relevantes na viagem.

Enfim, Terminal de Jardim América.

Correu para não perder o ônibus, e sua passagem pelo terminal não teve traumas.

Como até o diabo tem momentos de sorte, Frodo foi tranquilo nos últimos vinte e três minutos de viagem, inclusive, ouvindo música.

A descoberta / A visita:

Ao descer do ônibus, em frente ao seu portão, Frodo chutou um pequeno objeto. Abaixou-se e pegou o que descobriu ser um anel. De plástico.

Frodo olhou para o anel como se este fosse um tesouro perdido de Atlântis e teve apenas um desejo: ser invisível.

Queria desaparecer do mundo, fugir das relações sociais e, principalmente, sumir da frente de qualquer motorista de ônibus.

Durante seus devaneios, Frodo entrou no modo “piloto automático” e já estava sem os tênis quando se sobressaltou com um visitante inesperado.

Gandalf adiantou-se das sombras e fez um breve discurso:

- Desamarre esta cara, jovem.

Não importa se você tem sorte ou não. O que realmente importa é o seu valor, o seu caráter.

No mais, já que falei de valor, acompanhe meu raciocínio. O transporte público deveria ser gratuito, mas não acha que menos de três reais são pouco frente ao confronto com novas histórias e vidas?

Ônibus. Ruim com eles, pior sem eles.

Ao término do monólogo, Frodo pensou com seus botões:

- Por isso que não gosto desse velho, ele só é útil com suas magias.

Pelo menos não tem ônibus nas Terras Imortais.

FIM

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