quinta-feira, 9 de junho de 2011

O Sobrevivente



Navegava em seu mar de solidão.

Navegava em seu mar de ignorância.

Navegava em seu barco sobre águas plácidas.

Testa larga, nariz adunco e olhos desesperançados. Era como um comandante viking, porém, sem braceletes, sem vitórias, sem deuses e sem glória. Não passava de um pobre homem sem companhia, sem rumo e sem objetivos.

Era noite.

A visão daquele barco naquela imensidão de água negra formava um quadro lúgubre. A solidão era tão latente que nem as estrelas o encaravam. Nem a majestosa lua aparece nesse quadro.

Sentia uma vibração estranha desde o crepúsculo.

Ondas de insegurança invadiam o seu corpo ao mesmo tempo em que as ondas do mar viam de encontro ao seu barco.

O mar ficava cada vez mais agitado e o navegador sentia que a hora estava chegando. De súbito corre para o interior da embarcação e retira um colar de dentro de uma maleta. O objeto toca seu peito por sobre uma camisa surrada e suja.

“Finalmente. Finalmente chegou a hora”, pensa.

Após tantos meses navegando a esmo não sabia mais se estava perto de algo. Sabia que o mundo era redondo e sabia que ele dava voltas, mas volta e meia achava que a Terra se resumia ao mar contínuo e calmo.

Mas a hora havia chegado.

O mar está cada vez mais revolto e o marujo aguarda. Apesar de não ter nada que o prenda a esta vida, não vai se deixar entregar tão fácil. O instinto é mais forte que sua depressão.

Saíra para o mar para fugir, mas o destino não se engana.

Ondas fortes batem contra a embarcação. O barco chacoalha e a chuva espanca seu corpo de forma violenta. O “anônimo” – nome carinhoso que dera ao barco roubado – inclina-se num ângulo perigoso, à beira de um naufrágio. O homem sobe no mastro, desamarra as velas e sente a chama da esperança ser ofuscada por um brilho branco-azulado bem próximo ao seu rosto. Com o susto veio a queda; e a escuridão.

No céu, raios se entrelaçavam como veias de um braço poderoso, gerando uma bela imagem que ninguém contemplava.

Enquanto o fugitivo permanecia desmaiado, dois raios caíram no seu barco. Para sua sorte, madeira não conduz energia muito bem. No entanto, não se pode dizer o mesmo com relação ao fogo.

Labaredas altas lambiam aquele corpo adormecido, mas as ondas se encarregaram de empurrá-lo para uma tábua que flutuava intocada pelas chamas.

Algum tempo se passou.

Dor.

A primeira coisa que aquele ser sentiu foi dor. Sentia sua pele arder, o sal o incomodava e sua cabeça parecia estar sendo esmagada pelo martelo dos deuses. Mesmo com os olhos fechados, notou que era dia. Para sua surpresa, sentia toques. Humanos ou de animais?

Se arrependimento matasse esse homem nem teria presenciado o fogo-de-santelmo. Era um fugitivo dos mais clichês. Fugira do seio de sua família por motivos incertos. Fugira de sua vida entediante.

Decidiu abrir os olhos. A luz se apressou em fazer sua pupila se contrair, mas uma parcela dessa luz chamou sua atenção. A luz que era refletida por um corpo já bastante conhecido seu. Sua mulher segurava-o no colo com os olhos marejados.

A euforia peremptoriamente tomou o lugar da dor.

Todas as reflexões de meses se foram. A vergonha, o arrependimento, a saudade, a solidão, as dúvidas. Tudo passara.

Com um sorriso no rosto, aquele resquício de homem pensava: “Um raio pode cair duas vezes no mesmo lugar”.

Mal sabia o homem que essa já era a segunda vez em sua vida.

E para aqueles que questionam a probabilidade disso ocorrer, eu lanço uma pergunta.

O que significam chances e porcentagens diante do destino e do amor?

Um comentário:

  1. Necas" ... Não existe predição, nem um calculo variável que conceitue ambos. Portanto são improváveis. [acho eu]

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